― Manos, eu trouxe algo para vocês
comerem ― Hielos adentrou a pequena tenda.
A quieta tenda militar
repentinamente tornou-se vívida. As poucas pessoas que ali estavam deitadas, se
levantaram e, como lobos famintos, agarraram a comida das mãos de Hielos tão
rápido quanto possível.
― Hielos, se você não viesse eu
passaria fome até morrer ― Matonis mastigou a carne semi-cozida, a qual ele
geralmente desdenhava, mas agora estava deliciosa em sua boca.
― Eu consegui isso com Antonio. Ele
lhes pediu para formarem uma equipe especial para arriscarem serem atacados
pelos Persas a fim de arrastarem para trás os cavalos mortos em campo de
batalha
Hielos
suspirou, e olhou em direção aos homens deitados na parte mais profunda da
barraca e lhes questionou, com preocupação:
—
Como está Davos? Ele está acordado?
—
Ele acordou, mas ele ficou zonzo o tempo todo. Ele parece não reconhecer
aqueles que lhes falam e não diz uma palavra. Parece que ele está dormindo
neste momento — Giorgris respondeu, de modo sombrio
— Eu acho que devia estar sentado no Barco de Caronte[1],
e acidentalmente, caiu no Leto[2].
Agora, ele perdeu sua memória — Olivos disse.
— Cale a boca! — Matonis estendeu a mãe e bateu sobre a cabeça
de Olivos, afastando-o para longe.
Hielos separou os dois homens à força e gritou:
— Nós somos todos da mesma cidade na Tessália! Em uma terra a
milhares de milhas de distância do nosso lar, estamos cercados pelo inimigo. Se
não nos unirmos, temo que não seremos capazes de retornar.
A barraca repentinamente ficou em silêncio
Hielos sentiu a atmosfera pesada e disse, de forma a confortar:
— Eu tenho visto muitos guerreiros os quais bateram gravemente a
cabeça. A princípio eles ficam confusos, mas voltam à normalidade após
descansarem. Talvez amanhã Davos poderá ser capaz de nos cumprimentar com um
sorriso.
— Davos também é um guerreiro veterano, como ele pode cair
enquanto perseguia? — Olivos havia
acabado de dizer duas palavras, e quando ele viu Matonis o encarando novamente,
ele imediatamente calou sua boca.
— Ciro, o Jovem, ganhou ou foi derrotado? — O silêncio
temporário fez com que Giorgris não pudesse evitar senão se manifestar a
respeito do mais preocupante, porém temeroso problema que todos eles estavam
enfrentando.
Anteriormente, quando eles estavam perseguindo os inimigos que
haviam fugido, eles perceberam que apenas as tropas Persas ainda permaneciam
lá, enquanto que as tropas de Ciro, o Jovem, haviam desaparecido. Uma vez que
já estava ficando tarde, ambos os exércitos perderam a vontade de continuar
lutando; eles se confrontaram por um momento, e então, as tropas Persas
recuaram.
Somente depois, os soldados mercenários gregos descobriram que o
campo deles havia sido saqueado. Os soldados estavam exaustos e famintos, e
obviamente não tinham energia para pensar e perguntar aquela importante
questão.
— Ciro, o Jovem, havia liderado a cavalaria. Independentemente
se eles saíssem vitoriosos ou fossem derrotados, ele poderia facilmente deixar
o campo de batalha se juntar a nós amanhã para lutar contra o Rei Persa uma vez
mais — Hielos calmamente disse.
— Mas o exército do Rei Persa era muito maior do que a nossa. Se
caso Ciro, o Jovem, foi derrotado, haverá menos tropas para se juntar a nós
amanhã — Georgris falou com preocupação.
— Do que você está com medo? Nós temos mais de 10.000 Hoplitas!
Os persas são tão tímidos quanto coelhos! Não importa quantas pessoas ousem
lutar contra nós! Hoje, eu não matei pessoas o suficiente para me sentir
satisfeito, haverá uma outra batalha amanhã, que está logo aí — Tão logo
Matonis ouviu aquilo, ele encorajou todos os outros à sua própria maneira.
— Mesmo se Ciro, o Jovem, foi derrotado, nós derrotamos a ala
esquerda deles e matamos inúmeros deles. Amanhã, eles terão menos soldados do
que hoje — Hielos estava igualmente confiante.
— Esses malditos persas estão destruindo nosso campo, roubaram
nossa comida e roubaram inúmeras das minhas moedas de prata! Amanhã, nós os
venceremos e pegaremos nossos pertences de volta! — Matonis disse,
raivosamente.
— Certo — Todos odiavam o inimigo — Nós não temos que pegar
apenas as nossas coisas de volta, mas as coisas deles também.
— Oh! — Olivos pensou em algo e excitadamente disse:
— Eu ouvi dizer que a esposa de Ciro, o Jovem, também foi
roubada, e apenas uma conseguiu escapar. Aquela que eu te disse da última
vez... Uma mulher bela como Afrodite. Eu ouvi dizer que ela foi levada para o
campo por Clearco, ele definitivamente estará feliz esta noite.
— Não diga bobagem — Hielos o advertiu.
— Olivos, você tem que ser capaz de derrotar o Rei Persa amanhã
e capturar uma de suas mulheres.
— Oh! Essa é uma grande ideia! Matonis, às vezes você é
realmente esperto!
— Maldito Olivos! Você quer ser batido de novo?!
Enquanto inúmeras pessoas estavam conversando e dando risadas,
uma rouca voz provém da parte mais profunda da tenda:
— Não pensem apenas que Ciro, o Jovem, foi derrotado. Ele foi
morto!
Tissafernes chegou à barraca do Rei Persa, e Masabates, o
eunuco, já o estava esperando na porta:
— O Rei está te esperando. Entre, rapidamente.
Quando Tissafernes entregou sua espada ao guarda real ao seu
lado, ele achou que o eunuco, em quem o Rei mais confiava estava um tanto
melancólico, e não pode evitar senão pensar: “Vossa Majestade está
gravemente ferido?”
A tenda estava preenchida com um rico aroma de Olíbano[3],
e com um uma mescla de aromas de umas poucas ervas.
Artaxerxes deitou do seu
lado do colchão, vestiu uma maravilhosa túnica escarlate, e seu peito nu estava
envolto com uma veste branca, com um fraco sangue escorrendo. Uma bela
empregada estava gentilmente massageando seus ombros, e ao lado estava de pé, o
médico, Ctesias[4].
Quando Tissafernes adentrou o local, Ctesias imediatamente se
retirou.
Artaxerxes lhe pediu para que ele esperasse do lado externo de
sua tenda, assim, ele poderia ser chamado imediatamente em caso de alguma
alteração em sua condição.
Tissafernes observava enquanto o médico grego se retirava da
tenda, ficando semi-ajoelhado e curvando sua cabeça, dizendo:
— Vossa Alteza, por favor, me puna por ter perdido a batalha
Artaxerxes não disse nada, e Tissafernes se sentiu um tanto
apreensivo, e ajoelhou-se ainda mais imovelmente em direção ao chão.
Levou um longo tempo até que ele ouvisse Artaxerxes dizer:
— Você perdeu a batalha, Tissafernes, mas pelo menos você ousou
lutar. Ouvi dizer que você liderou a sua cavalaria para ficar ao redor dos
Hoplitas Gregos e atacou a retaguarda deles, apenas para ser derrotado pela Peltasta [5]deles
e quase foi atingido por um dardo grego.
— Sim, Vossa Alteza! Você sabe de tudo! — Tissafernes suspirou
aliviado
— Você é muito mais corajoso do que aqueles que fugiram antes de
lutar. Levante-se! — Artaxerxes estava um tanto insatisfeito com o desempenho
da ala esquerda das tropas persas. Ele então levantou a sua voz:
— Não sou tão sortudo quando você. A espada de Ciro me atingiu,
mas felizmente a minha armadura era forte o suficiente e me permitiu ter a
oportunidade de acabar com ele.
Ciro, o Jovem não foi atingido por uma espada dos Mithridates[6]?
Tissafernes estava surpreso, mas ele não o demonstrou. Ao invés disso, ele
falou com admiração e excitação:
— Vossa Alteza, todos costumavam dizer que Ciro era corajoso.
Ontem, no campo de batalha, quando estávamos prestes a seremos derrotados,
Vossa Majestade, em um grande risco que um Rei não deve correr, bravamente
seguiu em frente e matou o rebelde Ciro pessoalmente. E nos concedeu uma
incrível vitória! Vossa Majestade, você merece ser o Rei dos Reis! Você nasceu
corajoso!
Masabadi e Ctesia imediatamente também expressaram sua admiração
devido ao heroico desempenho do Rei Persa.
Artaxerxes olhou enrubescido e disse com ressentimento:
— Ciro tem sido vitorioso sempre desde a infância. Como irmão, eu
sempre o deixei sê-lo. Da última vez, ele tentou me assassinar na cerimônia,
mas pelo bem de nossa mãe, eu o perdoei. Eu não esperava que a minha gentileza
fosse considerada por ele como uma fraca e ilusória e ousada a ponto de começar
uma rebelião. Para assegurar a estabilidade do Império, ainda que seja meu
irmão, eu tenho que executá-lo!
— A benevolência do Rei é bem conhecida pelo povo do Império!
Ciro, o qual não sabe de nada, é o culpado por seduzir os estrangeiros a
invadirem o território! — Tissafernes disse, com entusiasmo
Artaxerxes assentiu e tossiu umas poucas vezes, agora mesmo ele
gastou muito muita energia, falando:
— Sr. Sátrapa, você tem exposto a conspiração de Ciro muitas
vezes, e o seu governo na Ásia Menor tem sido sempre excelente. Quando esta
rebelião estiver findada, eu lhe retribuirei apropriadamente.
— Vossa Majestade, como Sátrapa, este é o meu dever! —
Tissafernes solenemente disse.
Tissafernes demonstrou uma expressão complexa em sua face. Um
grande pote de barro foi posto em cima da mesa em frente à sua mão esquerda:
— Essas são a cabeça e a mão de Ciro que foram decapitadas por
Masabadi. Levem isto aos gregos e os faça se renderem imediatamente!
Nota: Haviam duas partes que deixaram registradas a Batalha de Cunaxa. Um é Xenofonte e o outro é o médico persa Ctesias, e seu registro foi citado por Plutarco durante o Império Romano, em sua obra “Biografia de Artaxerxes”, no qual os Hopolitas Gregos derrotaram a ala direita da Pérsia, muito mais do que Xenofonte havia escrito. Eu escolhi a narrativa de Xenofonte para a novel, pois ainda que sua descrição seja exagerada, isso explica algumas das estranhas performances dos Persas após a guerra
[1] Caronte é o barqueiro do Hades que carrega as almas dos recém-falecidos através do Rio Estige e Aqueronte, os quais dividem o mundo dos vivos e dos mortos
[2] Leto é um dos cinco riscos do Hades, no Submundo
[3] Olíbano é uma resina aromática utilizada em incensos e perfumes, obtida das árvores de Boswellia
[4] Ctesias foi um médico e historiador grego
[5] Peltasta é um tipo de infantaria leve, originária da Trácia e da Peônia, que frequentemente como atiradores nos exércitos Helênicos e Helenísticos
[6] Mithridates foi um jovem soldado persa que acidentalmente matou Ciro, o Jovem
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