sábado, 17 de julho de 2021

EU ESTOU AQUI

 

Editora: Fábrica 231(braço da Rocco)

Páginas: 288

Gênero: romance contemporâneo, drama

Ano: 2016

Autor(a): Clélie Avit

Onde comprar: Amazon, Submarino, Saraiva, livrarias locais.

Boa Noite, dorameiros!  Hoje trago um conteúdo diferente do habitual. Esse ano consegui retomar a leitura. Já li quatro livros, um avanço e tanto para quem chegou a ficar um ano sem ler um único livro.  A história da vez é “Eu Estou Aqui”, primeira obra da autora francesa Clélie Avit.

Naquele país, há um programa que dissemina a literatura francesa através de novos autores.  Os escritores foram estimulados a desenvolverem um enredo baseado na seguinte frase:

“Todo mundo pensava que era impossível.

Veio um imbecil que não sabia disso e fez.”

A autora soube representar com maestria o significado dessa citação por meio de seus personagens.  Elsa é uma adulta de 29 anos, de espirito livre, fascinada por uma atividade radical, o montanhismo. Ela se interessa por ocupações que proporcionam adrenalina. Para nossa heroína, escalar não é só um hobbie, mas sim sua paixão, algo que a conectava com as belezas do planeta.  Tudo sempre foi feito seguramente, utilizando todos os equipamentos possíveis. Todavia, às vezes, a vida nos impõe desafios atrozes.  Devemos enfrentá-los e encontrar uma solução. Só assim a vitória aparece.  Em uma dessas aventuras, Elsa despencou da geleira e entrou em coma. Quando iniciamos a leitura já faz vinte semanas que ela permanece nesse estado. Há seis semanas, a paciente ouve tudo à sua volta. Em alguns momentos até se “desliga”, ou seja, se perde em seu próprio mundo, afastando-se das conversas pessimistas.  

Seria melhor se na vida existisse apenas felicidade, porém os infortúnios também podem trazer ensinamentos. No caso de Elsa, trouxeram o amor verdadeiro. Thibault trabalha como ecologista, tem uma carreira estável, realiza com excelência as tarefas designadas a ele, porém no campo pessoal e amoroso, sua vida está um desastre.  Cindy e ele se separaram de forma nada amigável. Seu irmão sofreu um acidente, ficou em estado grave, além de ter feito algo horrível, inaceitável. Deixo uma pulguinha atrás da orelha de vocês. O que o irmão de Thibault pode ter feito de tão sério para ele não conseguir perdoá-lo?

Toda semana, em um dia específico, o ecologista levava sua mãe para visitar o irmão no 5 andar. Toda vez ela insistia em um diálogo dos dois, entretanto, o herói ainda não estava preparado. Ele fugia dessa missão ao máximo. Um dia, abriu uma porta pensando dar acesso a escada onde ele se escondia. Quão grande foi sua surpresa quando reparou estar no quarto de um paciente. Chegando mais perto, percebeu se tratar de uma moça dormindo.  A curiosidade falou mais alto, por isso ele leu o prontuário dela, descobrindo a real situação. Ficou triste pela jovem, mas manteve o otimismo, torcia para que Elsa acordasse. 

A escrita da autora é fluída, comecei a ler tarde da noite e não queria mais parar. Devido a hora já avançada, tive que ir dormir.  Foi uma noite de sono maravilhosa, com o coração quentinho por conta dos protagonistas. Li sessenta páginas em uma só vez. Terminei em cinco dias, mas porque tinha outros afazeres. Esse livro dá para ser lido em um dia. O enredo é parado, não há grandes clímax. No entanto, isso pode ser relevado.  O estado de Elsa é praticamente irreversível, ela não pode fazer nada além de escutar e ter esperança em dias melhores.  Isso não atrapalha em nada a história, pelo contrário, nos transporta para uma nova vivência da personagem principal. O livro está repleto de emoção. Os mais sensíveis vão derramar rios de lágrimas. Os menos sensíveis vão se colocar no lugar dos heróis. Eu mesma me perguntei, como será que é estar em coma? Fiquei demasiadamente envolvida nos acontecimentos do livro.

Além disso, torcerão pela recuperação de Elsa, além de um possível romance com Thibault.  A escritora descreveu perfeitamente o estado de uma pessoa em coma, representando também a aflição dos amigos e familiares. Quem passou por uma situação semelhante vai se identificar. Esse foi um dos elementos que chamaram a minha atenção.  

Imaginação é um recurso muito presente no contexto da personagem, devido à ausência do sentido da visão.  Isso torna o processo mais lúdico, consolador.  Segundo Albert Einstein, “A imaginação é mais importante que o conhecimento, porque o conhecimento é limitado, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro.”

Vamos imaginar! Com equilíbrio é claro.

“Há algo de impressionante no fato de alguém ter apenas o sentido da audição como meio de percepção.

Tudo o que está associado aos sons adquire um sabor particular.”

“Em quase sete semanas, pude observar que eu associava naturalmente cores e texturas ao que as pessoas diziam. “

“A voz de minha irmã contando suas histórias de amor assume um aspecto de veludo vermelho vomitivo de tanto hormônio que transborda. Minha mãe é uma espécie de couro violeta que quer parecer robusto, mas que se fissura em vários lugares, como se fosse uma bolsa velha.”

Thibault tem um lugar especial no meu coração leitor. Está no meu top 10 de protagonistas masculinos. Tem uma bela personalidade. Compaixão, empatia e generosidade são adjetivos que o descrevem com clareza.  Uma das minhas cenas preferidas é o momento em que ele altera a idade dela no prontuário, pois estava fazendo aniversário naquele dia.   Esta atitude abre discussão para algo recorrente no âmbito hospitalar: a ausência de sensibilidade dos profissionais da saúde. Os médicos e enfermeiros lidam constantemente com a morte, então podem ter se acostumado, tratando cada paciente como se fosse mais um número. Há também a questão da baixa remuneração, da carga horária extensa. Pelo menos no Brasil.

 Spoiler!!! Pulem para o parágrafo na cor preta. A próxima alínea contém considerável revelação.

Falo isso porque o médico é o personagem mais detestável. Ele queria desligar os aparelhos da heroína em apenas cinco meses, utilizando o argumento dos 2% de chance dela acordar. Fiquei indignada! Curiosa, pesquisei e encontrei um caso onde a corte francesa autorizou o desligamento dos aparelhos de um homem após sete anos em estado vegetativo.  Ou seja, provavelmente, a escritora utilizou licença poética no intuito de acrescentar drama.  Funcionou! Estive apreensiva nessa parte.

A relação entre os dois foi bem desenvolvida, um era o porto seguro do outro.  Thibault estava passando por um momento conturbado em sua vida.  Ele sonhava construir uma família, porém seus planos foram por água abaixo depois do divórcio. O irmão, o qual sempre admirou, cometeu um grave delito.  Ele estava perdido, sem saber se devia ou não perdoá-lo.   Entrou no quarto de Elsa e encontrou uma amiga, alguém em quem confiar. No estado sonolento dela, ele poderia desabafar, contar os seus pensamentos mais secretos, mostrar o seu íntimo, algo que ele não tinha coragem de contar aos amigos mais próximos. Tudo aconteceu naturalmente.  

Thibault foi um personagem profundo, que teve um crescimento incrível ao longo da literatura.  Se reergueu, buscou fé em meio ao caos, quando pensou tudo estar perdido.   Quanto a nossa estrela, permaneci encantada com os efeitos que persistência, otimismo e amor podem causar. Ela poderia ter se fechado para novas emoções, pensado na possibilidade de nunca mais abrir os olhos, se recuperar. Todavia, não deixou esses pensamentos terríveis tomarem conta de sua força. 

“Em meio a tudo isso, felizmente, tenho um arco-íris que vem se manifestando de uns dez dias para cá. Thibault veio com todas as suas emoções, todas essas novidades para mim. Não consegui associar a ele nenhuma cor em particular. Era apenas prismático e desconcertante. Fiquei com a imagem de um arco-íris. Achei isso poético.”

 

“Faz um ano que não beijo uma mulher, exceto os beijos dados no rosto das colegas. Não há nada de sensual nem de sexual no que acabo de fazer, mas, puxa! acabo de roubar um beijo no rosto de uma mulher.

A ideia me faz sorrir e eu me afasto.”

Os personagens secundários são uns amores. Gaelle, Julian e Clara nos conquistaram.  Contribuíram grandemente para o amadurecimento do nosso herói, pois sempre deixaram a filha Clara conviver com o padrinho.  No exemplar de Clélie Avit, a família é valorizada como se deve.  Afinal, é no seio familiar que aprendemos valores, caráter, amor ao próximo e como se relacionar com as pessoas à nossa volta.  No entanto, não podemos considerar todos como família.  Família é quem nos apoia, quem nos faz boa companhia.

Enquanto lia fui pega por um dilema vivenciado pelo protagonista. Devemos perdoar um membro precioso da família se ele cometer um ato grave? Principalmente quando essa pessoa estiver arrependida? Uma decisão difícil. Se a pessoa fez com intenções más não.  No caso de Thibault, talvez ele devesse ter sido mais compreensível.  Ele devia ter procurado saber o que realmente estava acontecendo, dar apoio sem julgar. Thibault não pôde fazer isso, pois seus princípios são fortes. Minha imaginação me leva a crer que o irmão dele não estava em condições psicológicas adequadas.  Não estou passando pano. Nada justifica o que ele fez.  Complicado!!! Olhando o exemplo de ambas as partes podemos concluir o quanto devemos pensar cuidadosamente em cada ação, palavra ou julgamento.  Não podemos apagar os acontecimentos, voltar para consertar nossos erros. A única forma disso virar realidade é através do perdão dos nossos pecados que o Senhor Jesus nos oferece.

Gostei do final. Acabou exatamente do jeito que eu queria.  Agora vem uma super revelação do enredo. Então, se vocês não curtem spoilers aconselho a irem para o parágrafo em preto. Deixo as surpresas bombásticas coloridas ou tachadas.  Dou 4 estrelas e meia para o livro. Só não dou 5 porque poderia ter outros livros para dar continuidade a história. O final foi aberto. Tudo o que acontece depois de Elsa acordar do coma fica a critério da nossa imaginação. Não vejo isso como um problema, pois tenho imaginação de sobra.

A capa é linda, combina com o assunto e a diagramação está ótima. Lemos sem cansar a vista.

 Recomendo para todos os amantes de drama, personagens cativantes, romance, tensão e assuntos tratados com leveza, apesar da seriedade. Se vocês curtem uma narrativa corrente, que não enrola, é o livro perfeito.  Nunca gostei muito de livros que intercalam os pontos de vista, porém estou me acostumando. Eu amei saber o que se passa na mente dos dois protagonistas.  Quem assistiu a novela A Vida da Gente vai gostar. A temática é a mesma, embora repleta de diferenças.

Abram um espacinho no coração de vocês para essa obra maravilhosa. Eu já abri.  Os personagens vão ficar na minha memória.  Espero que tirem bom proveito. Comentem aqui se já leram, suas impressões, se ficaram curiosos para ler. Hasta la Vista, babies!

 


 







quarta-feira, 7 de julho de 2021

Era uma vez... Kari, a Cinderela Norueguesa

“Katie Woodencloack ”ou “Kari Stave-Skirt”, traduzido para o português como “Kari Capa Dura” (Incluso em “Os Melhores Contos Nórdicos”, pela Editora Wish) ou “Kari Vestido de Pau” (Incluso em “O Fabuloso Livro Vermelho”,  publicado pela Editora Concreta) é a versão norueguesa ou nórdica do famoso conto “Cinderela”, escrita e relatada pelos amigos e folcloristas Peter Christen Asbjørnsen e Jørgen Engebretsen Moe, sendo esta uma das obras mais conhecidas atribuídas a eles.

Como se sabe, inúmeros contos de fadas possuem mais de uma versão, pois foram sendo modificados com o passar dos tempos, por seus respectivos autores, inserindo nestes ilustres tesouros, em forma de narrativas, sua cultura, valores e princípios. Por isto também que, aquilo que se denomina “contos de fadas”, representam algo de extrema importância a nós; porque neles se encontram a nossa moral. Mais do que “histórias para a hora de dormir” com um final feliz, os contos representam tudo aquilo em que acreditamos, em todos os sentidos da palavra.

Cinderela tem seu lugar especial enraizado nos corações e mentes das pessoas do mundo todo, e talvez você saiba de cor a essência dessa trama, e os personagens que a compõe. No entanto, cada versão possui suas particularidades, e a norueguesa tem em si muitas diferenças com aquela mais difundida no imaginário popular – a da Disney, que por sua vez é inspirada em Charles Perrault (1628 – 1703).

Primeiramente, esta Cinderela tem nome – Katie, ou Kari, e é uma princesa, referida por vezes, nas entrelinhas, como “filha do Rei”. “Cinderela”, por sua vez, é um apelido que a personagem ganhou por estar sempre sentada perto da lareira e das cinzas, sendo filha de um lorde/cavalheiro.

Como característica substancial deste enredo, Kari é maltratada por sua madrasta e sua filha (desta vez é apenas uma irmã), que a invejavam demais. Um ponto a se destacar é a respeito da ausência do pai, que neste caso, estava na guerra. De outro lado, Charles Perrault apenas menciona a figura paterna no início, mas não explicita o motivo de ele ser ausente, enquanto que a Disney deixou a protagonista completamente órfã, o que justifica mais facilmente o fato de a madrasta fazer o que bem entende com ela.

A parte interessante do conto nórdico é que Kari foge de casa após saber que um touro – com o qual ela era apegada, e a protegia – seria morto. O touro lhe disse que, se o matassem, ela também morreria. Assim, ambos fogem, e passam por provações em 3 florestas distintas, compostas de cobre, prata e ouro, nesta ordem, e habitadas por trolls de 3, 6 e 9 cabeças respectivamente. Quanto mais bela, mais a floresta era perigosa, e o touro protegeu Kari lutando com os trolls bravamente, até que avistaram um castelo. Adivinhem de quem? Do “Príncipe Encantado” de Kari.

Eis um dos motivos pelos quais esta é a minha versão predileta – juntamente com a dos Irmãos Grimm –. Nossa heroína enfrenta dificuldades (que ela inevitavelmente criou, ao tocar nas folhas das florestas) antes de encontrar com o príncipe, sendo que ela o conhece, e passa a ter mais interações com ele, como veremos a seguir. 

Pois bem, em sua empreitada Kari adquiriu objetos mágicos, sendo estes; uma folha de cobre, outra de prata e uma maçã dourada. A garota teve de obedecer às recomendações do touro, indo morar na residência do príncipe, colocando um vestido de madeira e pedindo um emprego e um lugar para ficar, e morar num chiqueiro.

Como instrução do próprio touro, teria que matá-lo, cortando sua cabeça com uma faca, retirar seu couro e colocá-lo debaixo de uma muralha de pedra. E, sob o couro, deveria colocar os três objetos mágicos. Encostado à pedra, havia um bastão, que ela poderia bater sempre que desejasse algo. A contragosto, ela executou o animal, e fez tudo que o mesmo havia lhe dito.

Por aqui, já podemos perceber mais uma diferença: não existe fada madrinha. A princesa se transforma batendo no referido bastão. Apesar disso, eu gosto desta parte da história, porque mostra que para haver recompensas, é necessário que também hajam sacrifícios, que fazem parte da vida.

Outro aspecto específico desta trama se dá com o fato de que “a vida de servidão” de Kari não se limita apenas com as iniciais cenas com sua madrasta, mas, posteriormente, se intensifica e se enfatiza no castelo do príncipe, ao tornar-se a empregada pessoal dele, incumbida de preparar-lhe o banho aos domingos. O rapaz, por sua vez, lhe era bastante grosso e arrogante com a menina, por ser uma serva.

Através destes momentos entre os dois, podemos analisar comportamentos, e ter a lição de moral de que o caráter depende de cada um de nós; ambos eram nobres, mas se comportavam de maneiras antagônicas; Kari era bondosa de coração, e havia sofrido maus tratos em sua casa e superado desafios nas florestas. Contrariamente a isso, o príncipe agia de maneira prepotente e desrespeitosa com seu próximo – no caso, ela –, por ter e querer tudo ao seu dispor.

Contudo, quando ele a via transformada como uma bela moça, ele se mostra impressionado e encantado por ela, demonstrando um lado gentil de sua personalidade, além de curioso, para saber a origem daquela intrigante menina, que sempre aparecia linda, na igreja em que ele também frequentava.

Este foi um quesito que me chamou bastante a atenção: a presença de algo que remeta ao cristianismo, à nossa fé. Também gostei do fato de os protagonistas se encontrarem regularmente na igreja, em um lugar que por si só, denota comunidade. Achei que estas cenas deram mais realismo para a trama, que não se limitou àquela imagem promovida muitas vezes pela Disney, em que a princesa se casa com alguém que mal teve contato.

Além do que, uma vez que ambos iam à igreja, demonstrando seu compromisso de devoção a Deus, podemos também afirmar que Kari se casou com alguém da mesma índole que ela, que preza pelos mesmos princípios, e não somente por ter sangue azul.

Com relação ao entrosamento deles, aprender e refletir sobre quantas vezes julgamos alguém erroneamente, sem nos dar conta daquilo que é mais essencial. O príncipe a pré-julgou de maneira precipitada, antes mesmo de descobrir o quanto Kari era linda, por dentro e por fora.

A este respeito, as Escrituras Sagradas já nos alertam em Romanos 12: 16 – “Tenham uma mesma atitude uns para com os outros. Não sejam orgulhosos, mas estejam dispostos a associar-se a pessoas de posição inferior. Não sejam sábios aos seus próprios olhos.” Eis a importância de ser humilde.

Quanto a nossa heroína, ela é a prova de quando nos esforçamos, somos recompensados. As bençãos – ou a magia, característica dos contos – estão reservadas àqueles de bom coração.

Este foi um conto de fadas com muito mais do que somente o clássico “felizes para sempre”, que nos trouxe reflexões e lições de moral que dá um caráter realista, sem deixar de lado a fantasia e as tradições, representadas por personagens da mitologia nórdica – como os trolls – aliado à magia e aos cenários típicos dos contos, tão conhecidos e gravados em nosso íntimo.

Esta pequena história é apenas uma das provas de que a “fantasia” é capaz de ser tão realista quanto se imagina. Espero que aqueles que tiverem a oportunidade de lê-lo desfrute tanto deste conto quanto eu, em todos os aspectos possíveis.