Depois de ler essa mensagem eu fique tensa
pra caramba, mais tensa que no começo da manhã.
Makoto deve ter percebido a minha tensão estampada no rosto logo depois
de adentrar a loja novamente, porque ele chegou bem próximo de mim e sussurrou
no meu ouvido:
— Não se preocupe com nada, eu estarei com você, sua
tonta!
— Obrigada — sussurrei de volta —
Estou mais calma agora — garanti a ele, porque
percebi que até mesmo ele não estava tão confortável com a situação.
Podia ser impressão nossa, mas sentimos que
todos os outros queriam saber o motivo dos sussurros entre a gente. Resolvemos
aproveitar a deixa (e a nossa pausa) para falar logo de cara:
— Vamos sair mais cedo do expediente hoje —
nós anunciamos em uníssono
Eles nos lançaram olhares suspeitos aos quais
nós respondemos, corados:
— Ei, não é o que estão pensando —
e balançamos a cabeça, negando. Percebi que Makoto estava mais vermelho que eu,
mas para não haver interpretações erradas, ele resolveu revelar o motivo:
— Ela vai comigo ver a minha mãe —
ele afirmou, tentando esconder a tensão e a timidez (sabíamos que aquilo ia dar
o que falar).
— Ela vai ver QUEM?? — exclamaram Andou-kun
e Hanabusa-kun, pasmados com a notícia
— Falem mais baixo, pelo amor de Deus! Querem que escutem
vocês na lua também? — falou o Makoto para eles —
E sim, a Ichigo vai ver “aquela pessoa”
— Desculpa, mas não é todo dia que se escuta isso, cara —
eles se desculparam.
— Tudo bem. Agora vamos voltar ao trabalho.
Durante a tarde fizemos tudo o que podíamos,
porque tínhamos muito pela frente (não é à toa que dizem que 24 é muito pouco)
e trabalhar ajudaria a esquecer “aquele assunto”, que, aliás, não ousamos mais
tocar nem mais uma vez sequer. Kashino ficava praticamente o tempo inteiro na
cozinha, enquanto eu gostava mais de atender os clientes com a Rumi-chan e a
Kana-chan. De tempos em tempos nós revezávamos, para não sobrecarregar ninguém,
embora tivéssemos nossas preferências (e vamos combinar, a lábia feminina
funciona bem mais para agradar ou convencer alguém). As horas passaram mais
rápido do que imaginávamos que passaria, e sem que percebêssemos a noite já
havia caído.
Quando vimos que já estava na hora, eu e
Makoto nos despedimos de nossos amigos dizendo:
— Estamos de saída! Tchau pra quem fica!
Decidimos ir de táxi até o endereço que a
irmã dele entregou, porque só nos restava 10 minutos e era um pouquinho longe
dali... Quanto menos esperávamos chegamos ao lugar de destino.
Quem nos atendeu foi a Miyabi (ainda bem,
para o nosso alívio) que disse que já podíamos entrar, porque a mãe deles já
estava a nossa espera, na sala.
— Estão aqui, mãe — ela anunciou,
apontando para nós
— Que bom. Assim que gosto — ela disse, sem humor
nenhum na voz.
— Vou deixar vocês conversarem então —
a Miyabi falou, se retirando da sala
— Não! — a mãe, Kashino Rei afirmou —
Você fica também, Miyabi. Quero que esteja presente —
ela soou autoritária.
— Está bem — a garota concordou,
sabendo que aquilo não era um pedido, e sim uma ordem.
— Já que estamos todos aqui, então já posso começar
fazendo algumas perguntas.
Logo que ela disse aquilo, Makoto me olhou de
um jeito que dizia algo como: “prepare-se
para o interrogatório que começa agora”.
Eu apenas assenti, segurando em
sua mão levemente, mas a irmã dele deve ter lido nossos pensamentos a
julgar pelo seu sorriso sarcástico e seu olhar cúmplice na minha direção, o
mesmo que Makoto havia me lançado segundos atrás.
A mãe, por sua vez, nada disse a respeito da
troca de olhares entre nós, mas nos encarou fixamente. Pigarreou e disse, com a
postura autoritária: (como se a gente tivesse escolha com alguém da família
Kashino)
— Vou começar por você, Makoto.
Ele engoliu em seco, e perguntou:
— O que a senhora quer saber, exatamente?
— Desde quando você está aqui? Sabia que a sua irmã
estaria aqui também?
— Faz alguns dias. E sim, eu sabia da Miyabi porque ela me
contou que faria uma viagem para cá também.
— E você, Miyabi, sabia dos planos do seu irmão?
— Claro que sim. Eu o fiz contar a mim.
Makoto pouco gostou do que ouviu da boca
dela, e fechou a cara, ao que ela retribuiu com um olhar que trazia a mensagem:
“Não me culpe, só respondi o que me perguntaram. Você sabe que não temos
escolha”
— Que bom saber — a mãe afirmou
secamente.
Kashino Rei fitou seus filhos por alguns
segundos, como se estivesse analisando ou pensando em algo específico.
— Tem mais alguma pergunta a fazer, mãe? —
os dois quiseram saber. (isso é telepatia entre irmãos, só pra constar).
— Tenho sim. Sobre aquele doce que você me trouxe pela
manhã, Miyabi.
Começamos a suar e a ficarmos tensos. Segurei
na mão de Makoto e ele minha, como forma de tentarmos nos acalmar.
— E o que você quer saber sobre isso?—
Makoto questionou à mãe.
— Vocês sabem quem fez o doce? É da pâtisserie do tio de
vocês? — ela perguntou aos filhos.
— Por quê? Não tá parecendo? —
a Miyabi quis saber
— Está parecido sim, no entanto há algo diferente... —
ela comentou.
“Agora lascou” pensei, mas continuei em
silêncio, apenas esperando pelo que vinha a seguir. Me surpreendi ao escutar
Makoto dizer:
— Eu conheço a pessoa que fez! —
ele tinha o tom de voz decidido, com toda a confiança que possuía naquele
momento.
— Eu também — a Miyabi afirmou,
calma — Todos nós conhecemos essa pessoa
— Como assim “todos nós”? — a mãe perguntou sem
entender de quem se tratava.
Ao que a Miyabi tomou a frente:
— Você conhece a pessoa porque ela se chama...
—... Kashino Makoto — ele mesmo pronunciou
o próprio nome, com o olhar desafiador para a mãe.
— Você?! Como assim?? — ela perguntou,
surpresa e sem dar nenhum crédito a ele.
— Fácil! Eu fiquei no topo da St. Marie...
— Que não era mais que a sua obrigação! —
a mãe exclamou interrompendo-o
— Não terminei ainda! — ele exclamou mais
alto ainda
E depois de se acalmar um pouco, continuou:
— Depois ganhei o Cake GranPrix, fui para o Cake GranPrix
internacional, estudei dois anos em Paris e abri uma loja no Japão mesmo, com
uns amigos. E agora estou trabalhando numa Pâtisserie em Londres! Quer mais
algum motivo?? — ele se exaltou, ainda desafiando a própria mãe.
Ela pareceu não ligar para isso quando disse
aos deboches:
— Ha! E como quer que eu acredite nessa história? Você
precisa de autorização pra sair do país. Até agora não sei como você veio parar
aqui!
— E por acaso precisa ser você a autorizar? —
ele estava sério.
— Olha como fala, garoto! — ela o fuzilou com o
olhar.
— Fui eu quem autorizou. Algum problema? —
a Miyabi admitiu, seriamente, pouco se importando com os comentários da mãe.
— Perdeu o juízo, garota? Quantas vezes eu falei para
convencer o seu irmão a não se tornar um pâtisserie para se tornar um médico? E
a honra da família?
— Quantas vezes você disse não importa —
agora era a vez da mais velha desafiá-la — Você sempre disse
que era para valorizar os talentos da família. E foi exatamente isso que eu
fiz. Você não pode me contrariar quanto a isso, ou você mesma vai se contrariar,
Kashino Rei — ela pronunciou o nome da mãe com tanta ênfase que todos
ficamos surpresos. — Quanto à honra da família,
o Makoto não vai feri-la, porque alguém com talento só traz mais motivos de
orgulho. E se para vocês todos “honrar a família” é continuar sempre rico, com
status e sendo médico, nós dois vamos provar que estão errados! Muito errados.
Entendeu? — ela a fitou uma última vez
— É exatamente como a nee-san disse! Honra é muito mais do
que o que você e o resto da “família” pensa ser, mãe! Você só tem duas opções.
Ou confia nos seus filhos ou acredita no que você mesma quer acreditar para
depois descobrir a verdade tarde demais — ele tinha uma
determinação imensa na voz, mas dava para perceber que no fundo, no fundo era
doloroso demais a ele escutar e dizer certas coisas, assim, de repente, devido
às situações. Não queria que nenhum deles sofresse, então resolvi juntar todas
as forças que havia em mim e dizer o que pensava daquilo tudo.
— Makoto, Miyabi, não ia dizer nada à mãe de vocês, mas eu
preciso — falei sincera — Nenhum deles me
contestou, e eu fiquei aliviada por isso. Assim, continuei, agora olhando para
a mãe deles:
— Kashino Rei-sama — eu a cumprimentei
formalmente — Por favor, considere as palavras de seus filhos. Eles
têm razão em seguir seus sonhos, trilharem seus caminhos. Todos precisamos
disso, se quisermos ter uma vida plena, feliz.
— E quem é você para me pedir isso, menina? —
ela disse, com desprezo, mas eu não me deixei levar por isso. Não podia me dar
por vencida, precisa ser forte. Por isso, falei com toda a certeza que
carregava comigo:
— Eu sou a pessoa que mais ama seu filho, e que sempre irá
apoiá-lo em tudo. Eu sei que ele esforçou muito para chegar onde está agora,
por isso tenho certeza que o futuro dele será brilhante. E pode não parecer,
mas também sei que sua filha mais velha, Miyabi, fará de tudo para alcançar a
própria felicidade, e não desistirá enquanto não o fizer. Agora responda: Acha
mesmo que privando seus filhos de fazerem o que gostam ou sendo contra os
sonhos deles você realmente está pensando no futuro deles? Realmente quer o
melhor a eles? — estava claro pela minha voz que aquilo não eram “apenas
perguntas”. Eu estava enfrentando a mulher de verdade, disposta a qualquer
coisa, qualquer risco por aqueles dois.
Depois de algum tempo, perguntei:
—Então, já sabe a resposta?
Ficamos em silêncio, porque todos queríamos
saber o que viria em seguida.
— Sigam em frente, crianças — foi a resposta dela.
E somente com as suas últimas palavras é que todos nós pudemos suspirar
aliviados e com a consciência tranquila. E pela primeira vez, Makoto e Miyabi
puderam ter alguma esperança a mais por parte da mãe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário