segunda-feira, 30 de setembro de 2019

[Literatura Hispano Filipina] Meu maior heroísmo



Meu maior heroísmo
(O conto de um herói dos tempos de paz)
Enrique K. Laygo

Fui uma vez um herói, aos 18 anos. Herói sem glória, como esses que vão à guerra perdidos no anonimato geral e morrem como leões defendendo a sua bandeira, mas o meu heroísmo foi maior. Na guerra, quando se sente a embriaguez da luta ou do ódio, quando o cheiro da pólvora e o estouro dos canhões matam o instinto de conservação, é fácil ser herói. Uma bala perdida, um pedaço de estilhaço, pode fazer de qualquer um, um herói... O meu foi um heroísmo de vontade contra mim mesmo em uma batalha em que não tive mais testemunhas senão Deus. Ouça:

I
Era minha primeira namorada e eu a amava por ela mesma, não por amor ao amor que é a razão dos primeiros carinhos. Talvez ela me amasse da mesma forma. Juraria agora mesmo, com os dois distanciados pela força de circunstâncias hostis, que é mais poderosa que a força do amor, seguimos nos guardando alma adentro, esse culto que se guarda às amáveis recordações. Há amores que são lembrados durante toda a vida
Como éramos jovens – no primeiro florescer da juventude, nosso amor era delíquios espirituais; um amor de brisas, de alternações e de nuvens, um amor que vivia de metáforas e analogias...
— Te amo como uma borboleta ama a flor — Costumava escrever-lhe. — Te procuro como a areia procura a carícia da água, como a Lua procura o espelho do lago.
— Te vejo nas estrelas, nos pássaros, em tudo — Me respondi — Até quando rezo, parece que o santo a quem rezo é você.
Era um carinho em plena inocência. Nossas almas se comunicavam com uma linguagem de anjos. Os galanteios que floresciam em meus lábios eram flores brancas como o lírio, a açucena, a sampaguita, que acabariam depois de tantos pensamentos ruins, só reinava, em plena soberania, a Ilusão...
Mas, um dia – era maio, e as flores beijavam as abelhas – meus lábios buscaram o mel de um beijo
— Você me o concede? — A perguntei, tremendo de desejo.
— Não, jamais.
Se colocou lindíssima, com o protesto em um vermelho intenso do pudor que flamejou de suas maçãs do rosto. Mas, nelas não vi indignação, a não ser o rosa aveludado da pele branquíssima que se estendia até as artérias azuis. E em mim germinou um pensamento dominador. Pois o beijo – inocente prenda de amor que pedia – havia sido negado.
Tacanha, ela, a mulher a quem adorava, teria de me conceder algo mais que o beijo, muitíssimo mais que o beijo, ainda que o empenho, eu tivesse que dedicar por toda a minha vida.
E for um trabalho de conquista astuta, árdua e lenta. O exemplo da gota brava de água que chega a minar, a força de ir caindo constantemente, a pedra viva esporeava meus esforços e, um dia – ainda era maio, e as flores continuavam beijando as abelhas – ela, derrotada, vencida e apaixonada, me prometeu em um suspiro:
— Bem, seja o que for que você queira, esta noite em minha janela, verá abanar um lenço, branco como a minha pureza. Entre em meu jardim e me encontrará a sua espera.

II
O primeiro encontro! O primeiro encontro romântico ao amparo da amável noite, enquanto brilham as estrelas e, de longe, vêm as vozes do silêncio, como em apagada sinfonia de uma orquestra universal.
O divino tremor da alma que se sente sintetizada em breves segundos por toda a eternidade. Os sobressaltos, os medos, as dúvidas, fundidos na intensa emoção de uns momentos que possuem a duração de séculos.
E o meu, o meu primeiro encontro se celebrava com a mais prodigiosa luz dos astros e de estrelas no céu. Deviam estar em festa como eu, como a minha alma. De todos os rincões do firmamento, me olhavam com uns olhos que pareciam piscar ou pestanejar, e naqueles olhos eu via uma grande inveja.
E não somente o céu. A terra também estava em festa. Cheirava a flores de laranjeira, a rosas, a jasmins. No ambiente havia uma saturação de perfumes. Era realmente o ambiente, ou era eu que carregava dentro de mim todos os aromas?
Contudo, eu cheguei ao local como um ladrão. Me ocultava nas sombras, eu sumia nas dobradiças das portas. Por meia hora estive em um abrigo desmantelado enquanto esperava que esbranquiçasse o lenço.
Momentos de profunda angústia. Meu coração batia em sua prisão como se estivesse querendo me soltar do peito. Prontamente, na escuridão de uma janela aberta – a sua – vi uma coisa branca, que ondulava, que palpitava, que parecia viver. Em três saltos, cruzei a rua e conquistei o solar de sua casa. E me vi no jardim cheio de sombras, cheio de mistérios! (...)
Eu a vi se aproximar, como uma branca aparição. Sobre o albo tom do traje – Oh! Santa pureza branca que vinha a se oferecer! – Somente se tornava negra, mais negra que as sombras, a cabeleira desmanchada em duas cascatas gêmeas.
Meus braços abertos a receberam, enquanto em meus lábios palpitava o beijo...
— Você veio — Só consegui balbuciar.
— Sim, como pode ver... Eu vim.
Se encolhia, se rebaixava, se anulava em uma enorme vergonha que a havia dominado por completo. Nela, se via a vontade com a qual se entregava, mas a alma estava longe, encadeada pelas cadeias dos escrúpulos e o medo do pecado.
Em meus braços, eu a sentia tremer, como um pássaro paralisado. E, então, percebi o quão grande deveria ser o amor que assim saltava, por cimas da consciência para submeter-se a um enorme sacrifício.
Mas, em meus lábios, continuava palpitando o beijo, como uma brasa acesa.
Me inclinei...
E, no claro da Lua, vi como caíam as pálpebras tal como asas feridas sobre os olhos. E antes de se fecharem, eu vi como tremeram duas gostas de lágrimas.
E fui um herói. Em meus lábios, ao invés do beijo, floresceram as flores brancas dos antigos galanteios:
— Eu te amo como uma borboleta ama a flor. Te procuro como a areia procura a carícia da água, como a Lua procura o espelho do lago...
E ela, compreendendo a minha renúncia, respondeu agradecida:
— Amanhã, quanto for rezar, acreditarei que o santo a quem rezo é você.
Continuavam as luzes estelares. Continuavam os perfumes saturando o ambiente. E eu não sei por que me pareceu que a claridade das estrelas era mais intensa e que os aromas eram mais deliciosos...
Créditos Finais
Coleção “Clássicos Hispano Filipinos”
Créditos à Biblioteca Virtual Cervantes
Traduzido do espanhol ao português por: Rebeca Arimi Suzuki

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