POV Ichigo
No final da tarde, a campainha toca. Vou atender com um sorriso
no rosto, e me surpreendo ao ver que os irmãos Kashino vieram falar comigo.
— Makoto! Miyabi! Aconteceu alguma coisa? — Perguntei,
apreensiva. Afinal de contas, naquela família tudo era possível, e nunca se
sabe quando uma próxima bomba-relógio pode estourar. Simples assim.
Mas, como eu penso demais às vezes – ou quase sempre – eu estava
errada. Eram realmente boas notícias desta vez.
— Calma, não é nada disso que está pensando — Tranquilizou-me
meu namorado. — Não vai nos convidar para entrar?
— Ah, claro, fiquem à vontade — Respondi, envergonhada com a
minha distração.
Logo que adentraram o local, cumprimentaram tio Hikaru8, e em
seguida, Miyabi anunciou:
— Nós vamos contar as novidades a vocês.
— Vamos voltar para Londres — Kashino Makoto me informou,
sorridente.
— Então quer dizer que deu tudo certo? — Meu rosto se iluminou.
— Deu sim. Vou poder voltar a fazer doces — Ele me respondeu
radiante.
Fiquei realmente contente por ele, mas logo relembrei o que a
irmã dele havia dito: a profissão ou o amor. Então, subitamente, meu rosto
murchou.
— Por que essa cara? — Ele perguntou, com uma piscadela.
— Era uma das duas coisas, certo? Quer dizer que agora o que eu
sinto é um amor não correspondido... — Falei essa última parte em um tom
baixinho, mais para mim mesma, como uma reflexão de quem pensa em voz alta, mas
eles ouviram mesmo assim.
— Ela lembrou daquilo... — A Miyabi comentou, e eu fiz que sim.
— Você não nos deixou contar o resto ainda, então não fique
cabisbaixa — Makoto apontou, e eu levantei meu rosto, com meu olhar fixo em
ambos. Ele prosseguiu com a fala:
— Quando eu disse que nós vamos voltar a Londres, não me referi
apenas a mim e minha irmã. — Ele se explicou — É você também.
— Sério?! — Minha expressão se iluminou de verdade dessa vez, contentíssima
com a possibilidade de poder estar com ele de novo. Lágrimas de contentamento
começaram a escorrer.
— Ah, não vai começar a chorar! — Reclamou.
— Não enche, tá! Isso é felicidade — Respondi, ainda chorosa,
secando minhas próprias lágrimas.
— Vocês dois tem motivo de sobra para comemorar — A Miyabi
assegurou — No final, o amor vence tudo mesmo, certo?
— Certo — Foi a minha resposta breve, já que a emoção era
demais.
— Mas como.... — Tio Hikaru começou a perguntar, e eles já até
sabiam do que se tratava. Acho que meu tio percebeu o que eu queria questionar
e não conseguia, por estar emocionada.
— Pode-se dizer que eu sou um gênio! — A Miyabi gabou-se,
bem-humorada.
— Convencida — O irmão chiou — Mas ela merece os créditos. O
plano foi um sucesso, e ela argumentou de uma forma que “aquela pessoa” nem
teve como reagir. Ela sabe mesmo como dobrar nossos pais.
E foi a partir de então que começaram as verdadeiras revelações;
o conflito que tiveram com o pai, as discussões em família, o apoio do tio e as
inesperadas decisões da minha (quase) cunhada.
— Resumindo, agora que não pertencemos mais àquela família,
vamos seguir nossos próprios caminhos com quem amamos — Kashino Makoto disse,
por fim.
— Eu fico muito feliz por vocês dois — Disse sinceramente, e ambos
me agradeceram pelas palavras.
— Agora, a pergunta que não quer calar... — Comecei,
interessada. — E o seu amor, Miyabi?
— Verdade — Meu namorado concordou — Como fica “ele”?
— O Muraoka vai com a gente — Ela esclareceu
— Ah... — Foi tudo que nós conseguimos dizer.
— Mas ele... — Começou Makoto
— Se ele vai ter emprego? — Ela fez uma pergunta retórica, como
quem lê os pensamentos do irmão mais novo — Você não achou mesmo que o Muraoka
era “só” um funcionário da nossa casa, achou?
— Bem...
Ela olhou para o irmão em desaprovação.
— No começo ele era realmente “só” um guarda. Depois ele começou
a estudar — A garota explicou, para evitar mal-entendidos.
— Ele estuda o quê? — Eu, Makoto e Tio Hikaru indagamos a uma só
voz.
— Arquitetura. Teremos nossa própria casa um dia — Miyabi
revelou, e nós ficamos impressionados com a informação. — Mas, retomando o
assunto principal — Ela tornou a ficar séria, de repente — Quando vocês querem
partir? Hoje mesmo ou amanhã de manhã?
— Hoje à noite — nós concordamos
— Tudo bem. — Ela nos disse — Ainda tempo de respirar um pouco,
então.
— Vou fazer um doce especial para agradecer a hospitalidade —
Kashino informou, e nós o fitamos.
Olhando em direção à mais velha, ele disse, brincalhão:
— Acho que você também merece alguma coisa
— Acho bom — Ele respondeu
Ele fez um mousse de chocolate e também um opera, o doce
predileto da Miyabi, para recompensá-la. Saboreamos com muito gosto, e Kashino
Makoto recebeu elogios até do meu tio.
— Você é muito habilidoso, meu rapaz. Se minha mãe estivesse
entre nós estaria extremamente satisfeita em saborear um chocolate tão bem
temperado quando esse.
Nesse momento, me lembrei de minha avó. Ela sempre fazia os
melhores doces, que me deixavam contentes. Tio Hikaru reparou na minha
expressão pensativa e me disse, de forma a me consolar:
— Ela também estaria orgulhosa de você, Ichigo. Você herdou o
talento da nossa família.
Todos nós sorrimos com aquelas palavras. “O talento da nossa
família”. Até nisso eu e Kashino éramos parecidos.
Conversamos um pouco mais e não vimos a hora passar. Quando
demos conta, já era noite, e ainda precisávamos passar na mansão da família
Kashino, onde o tio deles estaria esperando, e também para buscar o amado da
Miyabi. Me despedi com um abraço forte em tio Hikaru, e pedi que mandasse
lembranças aos meus pais e à Natsume.
— Mando sim. Logo você os verá, a Natsume tem uma surpresa.
Não me aguentei, estava com a respiração saindo pela boca ao
saber daquilo. Minha irmãzinha sempre me surpreendendo.
— Agora vá.
E assim se fez. Na mansão não havia muito o que discutir, de
forma que foi rápido demais, mais do que imaginava. Apenas o tio deles ficaria
um dia a mais para resolver os assuntos referentes à herança, para não deixar
nada pendente, enquanto nós teríamos que recuperar os dias de trabalho que
perdemos.
Partimos às nove horas da noite e de lá se seguiram mais 17
horas, comigo dormindo no avião, devaneando como de costume. No dia seguinte,
Makoto me contou que eu murmurava algumas palavras sem parar. Eram coisas bem
aleatórias, como se estivesse zonza, mas na verdade, estava apenas adormecida.
— Eu não lembro...
— Devia saber — Ele riu.
Naquela manhã, voltamos ao trabalho a todo o vapor. Já tínhamos
avisado aos nossos amigos que voltaríamos, o que os deixou aliviados e felizes,
mas mesmo assim, tivemos uma grande surpresa:
— Lemon-chan? Ricky? — Perguntei, sem acreditar — Tennouji-san?
— Mint-chan, Honey-sama! —Nossos Espíritos dos Doces exclamaram
ao verem os velhos amigos, assim como nós.
— A Tennouji-san se ofereceu para nos ajudar enquanto vocês
estavam ausentes nesses dias. — O Hanabusa-kun nos explicou
— Eu também estou adorando ajudar na loja de vocês — A Lemon-chan
disse, e nós nos alegramos.
— A Yamagishi está muito empolgada desde que começou a trabalhar
com a gente — Andou-kun emendou.
— Ela tem nos ajudado bastante — Kana-chan, meiga como de
costume, disse, referindo à Lemon-chan, que ficou vermelhinha de vergonha.
— Então, já que estamos aqui, mãos à obra! — Kashino se
pronunciou, e eu concordei.
— Calma aí. Vocês não vão nos contar o que aconteceu nos últimos
dias? — Os rapazes nos interrogaram, curiosos. Nos entreolhamos:
— Isso é assunto pra depois — Kashino respondeu.
— E temos muito o que fazer — Eu apontei. Assim, começam a
realmente trabalhar. Fiquei fazendo petit gatau com frutas junto a Lemon-chan,
que também ajudava a fazer outros doces com frutas, e inclusive, fazia sua
torta de limão com um creme delicioso. Ela disse que eu fui a inspiração dela.
Olha só!
Tennouji-san fazia a Forest Linda como ninguém, afinal, era sua
criação original, e tenho que confessar que o sabor era dos melhores. Parece
que as vendas aumentaram esses dias, principalmente à procura da Forest Linda,
depois da chegada de Tennouji Mari. Kashino se dedicava a fazer brownnies com
morango, operas, cupcake, cheese cakes.
Kashino atraía muitos olhares das clientes e, após o nosso
retorno, muitas delas disseram que sentiram muita a falta do “melhor choclatier
dessa loja”, o que lhe arrancou um sorriso tímido.
Kana-chan ajudava seu amado a fazer sobremesas à base de maccha
e anko, com um sabor japonês extremamente intenso que encantava o paladar de
grande parte da clientela. A garota também fazia doces com maçãs, lembrando-se
de sua irmã mais nova, Ringo-chan.
Ricky nos ajudava a atender os clientes, e seu sotaque italiano,
tal como algumas expressões que usava nesse idioma deixavam as garotas loucas,
derretendo-se por conta de seu charme ao falar. Ao que parecia, Hanabusa-kun
havia travado uma pequena rixa com o rapaz, já que o evitava na maior parte do
tempo, o que era compreensível, uma vez que ambos eram muito queridos pelas
meninas, e, querendo ou não, Hananusa-kun tinha muitas fãs ao seu dispor.
Rumi-chan apenas assistia ao movimento enquanto colocava a mão
na massa em alguns chiffons-cakes, mas, aparentemente, ela ficava intrigada com
a imensa popularidade de Hanabusa-kun, ainda que negasse o fato. Percebi isso
quando ela mordiscou o lábio inferior, ao vê-lo tratar gentilmente e com um
sorriso simpático, uma cliente loira e de olhos claros, que estava saindo de
nosso estabelecimento.
— Está preocupada com alguma coisa?
— Não — Minha amiga tentou parecer indiferente àquilo.
Deixei-a em silêncio, ela precisava desse tempo. E precisava
acertar as coisas com Hanabusa logo, ou essa ansiedade dela não passaria nunca.
A tarde transcorreu bem, e na pausa para o almoço, meus amigos
Hanabusa-kun, Andou-kun, Rumi-chan e Kana-chan começaram o falatório:
— Agora vocês podem nos dizer como foram os últimos dias? —
Hanabusa-kun exigiu
— Foram tensos, mas conseguimos — Kashino Makoto, pessoa de
poucas palavras, respondeu, imediatamente.
— Deu tudo certo no final das contas — Eu complementei — Não se
preocupem.
— Isso nós sabemos, mas... — Começou Andou-kun, mas Makoto o
cortou rapidamente.
— Se querem saber da minha família, eles não serão mais um
problema. Vou fazer a minha vida aqui. Minha irmã também concordou com isso.
Não tenho mais relação alguma com eles — Ele esclareceu, enquanto eu abocanhava
um pedaço de uma sobremesa da loja, e subitamente, comentei:
— Essa Forest Linda foi a Tennouji-san que fez, certo?
— Foi sim — Kana-chan respondeu, e olhou para mim sem entender —
Como você sabe?
— Tem um sabor menos acentuado e mais adocicado. Traz serenidade
e calmaria, como ela.
Ela me fitou, impressionada, e Andou-kun emendou:
— Passam-se os anos e a gente ainda se impressiona com o seu
paladar, Amano-san. É incrível como você identifica tão facilmente quem fez
cada doce.
— Minha avó que me ensinou isso. “Se alguém faz doces, tem que
colocar o sentimento. Pela sensação que te traz, fica fácil saber quem foi que
o fez”
Todos olharam para mim, surpresos. Eu sempre mencionava a vovó
de alguma forma. “Vovó, obrigada por me ensinar essa lição”, pensei
mentalmente, e logo refleti: “Será que ela ouviu meus pensamentos lá do céu?”
Conversamos um pouco mais sobre o que faríamos dali para frente,
quando de repente, Kashino recebe uma chamada no celular. Era sua irmã mais
velha. Ela informou que o tio deles chegaria amanhã aqui na Europa e por isso,
pela noite de amanhã queriam chamá-lo para um jantar em família – e eu iria
acompanhá-lo – Que honra! Fiquei muito feliz ao saber, quando ele me contou em
segredo, por uma mensagem. Comemoraríamos um novo início à Família Kashino.
Logo depois de desligar o telefone, ele nos pergunta
— Vocês têm planos para este sábado?
— Não — Respondemos todos
— Por que, Kashino-kun? — Rumi-chan perguntou
— Meu tio estará em Londres por algum tempo. Alguém a fim de
aprimorar as habilidades no chocolate?
— Eu quero! — Respondi, e todos riram
— Estou vendo que não vai sobrar chocolate... — Makoto comentou,
bem-humorado
— Ei! Nós também queremos! — Kana-chan e Rumi-chan se
manifestaram. Assim, Andou-kun e Hanabusa-kun se entreolharam e disseram, com
um meio sorriso:
— Tá, a gente também topa!
— Fechado! — Kashino respondeu, alegremente.
E eu estava mais contente ainda. Havíamos tido uma tarde ótima, com muita clientela, e seria dali para melhor, em mais algumas horas de trabalho. A rotina havia retornado à normalidade, e eu estava realmente satisfeita. Além de que, já tínhamos planos até para o fim de semana... Tem coisa melhor do que isso?
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