POV Kashino Makoto
A minha irmã chegou de
repente na casa da Ichigo, dizendo que tinha “boas notícias”, mas vindo do meu
pai, eu só acredito vendo mesmo. Assim, eu lhe disse, ainda incrédulo, tentando
manter-me firme:
— Vamos acabar logo com
isso.
A Miyabi nada disse, porque,
honestamente, eu acho que ela já esperava esse tipo de reação da minha parte.
No fundo, nós compreendíamos um ao outro melhor do que aparentávamos.
Quanto à Ichigo, ela queria
nos acompanhar... mais especificamente para se certificar de que eu ficaria bem,
mas nós argumentamos dizendo que seria melhor e mais útil se ela esperasse por
notícias minhas na casa/loja de seu tio, por dois motivos: Primeiro porque ela
não fazia nem ideia da tamanha malevolência do nosso pai, e em segundo porque
era melhor que ninguém desconfiasse do plano, e principalmente, que ela estava
envolvida nisso. Em outras palavras, era eu quem queria protegê-la neste
momento.
Nos despedimos, e
rapidamente fomos em direção à Mansão. Entramos, e lá dentro, nosso pai já nos
esperava.
— Aí está você! Onde se
meteu esse tempo todo?
— Por que a curiosidade,
hein? — Rebati, sabendo que meu pai não era do tipo de pessoa que fazia ou
perguntava as coisas com uma única intenção em mente. Mas eu não desistiria
facilmente dos meus sonhos, ou não me chamo Kashino Makoto.
— Eu sou seu pai! — A
autoridade de sempre reinava em sua voz, mas eu sentia que não era apenas isso.
Com certeza estava querendo tirar informações de mim, e, caso isso acontecesse,
travaríamos uma briga ali mesmo, tão amarga que dói só de imaginar.
— Deixe-me responder —
Miyabi interveio, com a voz tranquila. Ela saberia como sair dessa. — Eu
conheço todos os lugares em que ele frequenta, estava em lugar vazio e
desconhecido por muitos, perto de uma praça — A mentira tinha um fundo de
verdade: a residência Amano ficava em frente a uma praça, contudo senti que
aquilo era uma desculpa dela para se livrar da pergunta, e convenhamos, foi
muito convincente, porque o homem a nossa frente acreditou e ficou pensativo
por um segundo, antes de esbravejar:
— Não é à toa que eu não ia
encontrar mesmo!
— Você me procurou? —
Indaguei, perplexo com tal possibilidade.
— Acredite, é verdade — A
Nee-san me garantiu.
Ok. Agora eu estava
realmente impressionado com o meu pai, pela primeira vez na vida.
— Tudo bem, eu acredito —
Cedi a ele. Se minha irmã confirmou a veracidade do fato, então não havia o que
discutir.
Mas, aproveitando a ocasião,
Miyabi aproveitou para emendar:
— Você não tem nada para
dizer ao Makoto? — A pergunta dela parecia ser intencional. E realmente era,
pois no mesmo instante, meu pai comentou:
— Ah... — Ele pigarreou,
revirando os olhos. — A expressão de sua face era de quem gostaria evitar o
assunto, mas não podia. — Você vai poder voltar para Londres para ser um
pâtissier.
No entanto, estava claro que
o “discurso” ainda não havia acabado, porque a Miyabi fez um gesto para que ele
continuasse com sua fala.
— E com... — Sua voz falhou
— Com aquela pobre que você chama de “namorada”. — O velho cuspiu as palavras
que saíram de sua boca. Estava óbvio que ele não queria admitir aquilo, só o
estava fazendo por conta da situação.
— Não a insulte! — Eu o
adverti, mas ele nem me deu ouvidos.
E, virando-me à mais velha,
questionei:
— Nee-san, isso é verdade? —
Queria estar seguro de que não era uma chantagem advinda de meu pai e sua
“mente brilhante”.
— É sim, você vai poder
ficar com ela. — Informou-me com seu semblante pacífico.
— Não comemore ainda! — O
homem advertiu — Uma vez que você escolhe seguir o seu caminho e me desacata,
você não pertence mais a esta família, portanto, não herdará meus bens num futuro
próximo.
“Ah, estava bom demais para
ser verdade”, pensei comigo, silenciosamente. No fundo, eu sabia que não eram
apenas “boas notícias”, mesmo estando satisfeito com o fato de que, tanto minha
garota quanto a minha profissão estavam a salvo. Entretanto, como nem tudo são
flores, quando achamos que um problema terminou, descobrimos que, na verdade,
ele mal acabou de começar.
A sorte é que a minha irmã
estava ao meu lado, e ela sabe exatamente o ponto fraco daquele que se denomina
“pai”.
— Você tem sua palavra a
cumprir não se esqueça! — Dava para ver que Miyabi estava tensa, a julgar pelo
tom de voz que usou com ele, apesar de estar se forçando a manter-se calma
diante dele. — O acordo era deixá-lo fazer o quer e com quem ama. Ninguém falou
em herança alguma. Além do mais, se você usa esse tipo de ameaça contra seu
filho, então quer dizer que não reconhece seu talento, e não está honrando sua
família. Mas como você mesmo diz, você tem uma reputação a zelar, certo?
— Miyabi! — Ele vociferou,
enraivecido.
— Deixe para lá, Nee-san. Eu
não importo com a herança. — Respondi, indiferente.
Ela ficou surpresa com a
minha resposta, mas eu também me impressionei com a Nee-san, que emendou:
— Eu também não. — E abriu
um leve sorriso em minha direção.
— Como é?! — Agora era o
nosso pai que estava sem acreditar. Uma expressão que não se vê todo dia,
hilário aos meus olhos naquele instante.
— É isso mesmo que você
acabou de ouvir. — Reafirmamos em uníssono.
— Contudo, se você insiste
em falar sobre herança, caro irmão.... — Começou uma voz inconfundível,
acompanhada de passos largos e pesados.
— Tio Ryo? — Era meu tio
chocolatier — O que está fazendo aqui?
— Eu chamei reforços —
Miyabi piscou para mim, de leve — Sabia que o assunto viria à tona cedo ou
tarde.
Fiquei calado, apenas
fitando o cenário atentamente, com o olhar sério, porém, estava comemorando por
dentro. A genialidade da Nee-san venceu mais uma vez!
— Como eu ia dizendo... —
Tio Ryo continuou — Se você insiste tanto nesse quesito, digo que não tem
problema algum em você deserdar seu filho. Eu farei de Kashino Makoto meu
herdeiro legítimo, reconhecerei suas habilidades, seus talentos e desejos,
sendo seu mentor pessoal e profissional. Mas, fique sabendo que a notícia se
espalhará rapidamente ao redor do mundo. A imprensa não perderá tempo! — Meu
tio proferiu, claramente
A raiva dominava o olhar
estreito de meu pai, enquanto meus olhos brilharam ao escutar aquilo. Eu estava
realmente contente.
— Tio Ryo, você vai mesmo
fazer isso? — Questionei, ainda surpreso
— Se você aceitar a
proposta, meu garoto.
— Claro que sim! — Foi a
minha enérgica resposta
— Quero que saiba que eu
tenho muito orgulho de vocês dois. Quero que vocês trilhem seu caminho como
devem e como merecem, dignamente. E que você continue se esforçando, estudando
e se aperfeiçoando muito para ser o melhor chocolatier deste mundo, expandindo
seus horizontes sempre. Mas, se você aceitar, posso te ensinar algumas
coisas....
— Quero sim, e muito!
Afinal, o senhor aprendeu com grandes nomes também, certo?
— Sim — Ele respondeu
brevemente a mim, e virando-se ao irmão, lhe disse: — Então, o “problema” está
resolvido, não é mesmo?
Meu pai e meu tio se encaram
por alguns instantes, com a feição impassível.
Quem quebrou o silêncio
naquela atmosfera pesada de “família” foi ninguém menos que a Nee-san.
— Este assunto está mais do
que encerrado, porque eu também me decidi — Ela anunciou, mais determinada do
que nunca. Nós três a fitamos intensamente. Queríamos saber logo qual era a
decisão que havia tomado. E, honestamente, eu nunca havia visto a minha irmã
tão séria como estava naquele momento.
Ela continuou:
— Como eu lhe disse, não
quero a herança. Não importa qual seja a sua opinião sobre isso, ou sobre mim,
uma vez que você reconhece seus filhos, eu não herdarei nada que venha de você.
Tenho uma profissão, uma casa, e uma vida em Londres, estou estável e certa do
que quero, e posso muito bem continuar a caminhar sozinha. Aliás, como sempre,
né? — Ela disse essa parte com amargura, pelo fato de aquele velho nunca ter
dado valor e nem atenção a ela, a nós. Em partes, é devido a isso que ambos
sempre fomos extremamente independentes para praticamente tudo, e tínhamos
apenas um ao outro.
Com a sua expressão mais
rígida, ela acrescentou, tentando esconder as emoções por conta das lembranças,
sem deixar a voz falhar:
— Ah! E se um dia eu
retornar ao Japão para trabalhar no Hospital Geral, nada de intimidades,
trate-me apenas como uma mera funcionária. Seremos dois estranhos, porque, a
partir de agora, eu não sou mais sua filha. E que fique bem claro que, se estou
fazendo medicina nesse momento, é porque eu realmente me apeguei à profissão, e
estou disposta a salvar vidas, não por uma simples imposição familiar, como de
fato começaram meus estudos. Eu e meu irmão queremos apenas a nossa própria
felicidade, e não precisamos abrir mão dela, para ter status, poder, riqueza,
reconhecimento, capricho, ou qualquer outra coisa que queira chamar. Você é quem precisa
disso. Por isso, quando o mundo descobrir seu verdadeiro “eu”, não reclame, nem
esbraveje pelos quatro ventos, porque o nosso caráter somos nós que
construímos, então a culpa será inteiramente e exclusivamente sua. — Ela
finalizou, com os olhos fincados no homem, que estava imóvel e sem reação pela
primeira vez.
No fundo, eu sabia o quão
difícil era para ela expressar seus sentimentos, ainda mais se tratando de um
assunto tão delicado. Já mais calma, ela voltou seu olhar para mim e nosso tio,
e finalmente disse, com um meio sorriso leviano:
— Então, vamos indo?
— Vamos sim, querida. — Meu
tio tomou a palavra. — Está na hora de vocês serem felizes.
E assim, decidimos voltar para Londres, em uma viagem de família, desta vez repleta de alegria e harmonia, com a consciência tranquila. Agora, finalmente cada um de nós poderia seguir o seu caminho, rumo à realização de nossos sonhos. Com Tio Ryo e minha irmã mais velha, pela primeira vez na vida eu senti que tinha uma família de verdade.
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