O Presente
Escrito por: Enrique K. Laygo,
Extraído de: “El Ciudadano. Semanario de intereses
generales”,
6 de agosto de 1920, vol.
III, número 14, p. 24
Pausaram,
perdidos no turbilhão dos dançarinos. Até eles, a abafadas chegavam as notas da
orquestra, e, com o calor que fazia, e, esmagados pela multidão, o baile
acabava sendo um tormento para eles
—
Não dancemos mais. Preferiria que me contasse um conto
Aurora
fez a pergunta com uma timidez encantadora, um pouco trêmula pela emoção do
baile. Depois, um pouco mais atrevidinha, retificou:
—
Quero dizer, um conto não. Uma história verdadeira
—
Uma história verdadeira? — O amigo se concentrou, para reunir os pedaços de
uma, romântica e sentimental, que tinha guardado no fundo de suas memórias.
Sobre ela, não sabia nada mais do que os fatos. Sabia também quem, de aquela
história que era uma tragédia, havia saído com o coração despedaçado, e depois
foi se esparramando como respingos de sangue, por contos e histórias
publicadas na localidade. Suas conjecturas nunca puderam fazer algo pela mulher
daquela história...
E
o amigo a contou a ela, sob o abrigo da instalação do salão. Orquestra, luzes,
dançarinos, desapareceram diante daquela página da realidade que se evocava. De
quem seria?
—
Minha história não possui o encanto da originalidade, mas sim, o frescor amargo
da realidade. Sobre ela, o tempo teceu o véu do esquecimento, mas, não tão
espesso que afogasse todas as suas chamas. Você mesma, Aurora, os terá visto
mais de uma vez. Esses contos, de tamanha romântica melancolia, que tanto
gostou, como me disse, são páginas desta história que te conto.
“Era
meu amigo, jornalista como eu. Nasceu com má sorte, pois foi misantropo e assim
foi sua vida toda. Apenas uma vez lhe sorriu a sorte, no sorriso de uma mulher.
Era
o Amor que chegava...”
Pausou
e fixou seus olhos, nos de Aurora. Apreensão? Excesso de suspeitas? Talvez
fosse, talvez não, mas o certo é que lhe pareceu que, diante da retina daquela
mulher, acabava de passar a visão fugaz de uma referida morte.
Ele
prosseguiu:
“Se
amaram como àquela idade se ama. Toda a sua misantropia se esfumou diante
daquele novo irromper de ilusões e fortunas. Ele foi completamente dela, e ela,
completamente dele. Não era mais que o prólogo. Depois, veio a primeira parte
da tragédia. Daquele amoroso sonho, lhes despertou uma decisão maternal. Os
pais dele decidiram casá-lo, e casá-lo com outra, que não era ela”
“Meu
amigo se rebelou. Visto que queria ser feliz, era direito seu erguer-se desafiador
contra aquela sombra que se interceptava entre ele e sua felicidade. Inútil
batalhar. Como sempre ocorre, a luta desigual teve um desenrolar triste. Meu
amigo cedeu ao momento de fraqueza. E se casou com a outra. Depois...”
Aurora
havia colocado sua cabeça no peito em uma recontagem talvez de fortunas que
puderam ser e não foram. Alguma ferida já cicatrizada pelo tempo, se abria pelo
feitiço daquela tragédia de amor vulgar, fazendo-a reviver todas as dores que
acreditaram ter esquecido. No entanto, a visão não durou muito. Ergueu a
cabecinha de forma gentil e com um novo chamuscar em seus olhos, disse:
—
Não continue, conheço a história.
Depois,
com uma voz esperançosa, em uma possível brevidade, não encoberta pela
recordação de umas ilusões já mortas, prosseguiu:
—
E daí, para que falar do passado? Esta
história pertence a ele, e tal como ele, deve ser esquecida.
—
Então... — Inquiriu o outro
—
E então? Ainda há uma coisa que nos resta: o presente
Os
dois debatedores se olharam em silêncio àquela afirmação pouco sentimental.
Ele, pela primeira vez após muito tempo pensou que já que ele também tinha seu
passado, e assim como o passado de Aurora, tão triste e tragicamente triste, às
talvez valesse mais a pena que ele desse as costas aos anos que já se foram e
abrir-se a este algo que ainda lhe restava: o presente.
A
evocação do passado trágico desapareceu. Luzes, orquestra e dançarinos voltaram
a surgir como uma gloriosa explosão de vida. E sob a instalação do salão, os
dois se agarraram para lançarem-se ao redemoinho da dança.
—
Vamos ao presente?
—
Vamos ao presente! — Murmurou ela, divinamente triunfal.
Créditos Finais
Coleção
“Clássicos Hispano Filipinos”
Créditos
à Biblioteca Virtual Cervantes
Traduzido
do espanhol ao português por: Rebeca Arimi Suzuki
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