Lealdade às memórias
Escrito por: Enrique K. Laygo
I
Cinco
anos? Quem aplica as medidas do coração às medidas do tempo? Da mesma forma
poderiam cinco séculos ou cinco eternidades. Para Estela, haviam sido cinco anos
daqueles de ir contando os dias um após o outro, tão longos, tão longos que,
aquelas “correntes de amor” já plantadas no primeiro dia que – “em símbolo do
nosso amor, hão de ter para os dois, a força da correnteza” – triunfavam em sua
florescência rubra em sua plenitude no cerco de cana no limite do balag[1] de bambu, caminho do
céu em uma ficção de asas, a força de ir subindo pelos harigues, pelas janelas, até pela nipa do teto projetado contra o azul.
Mas,
Deus é bom e até os cinco séculos ou as cinco eternidades culminaram nesta
tarde gloriosa de maio.
No
calendário de sua memória, Estela desprendia a última folha. Uma lástima que
não era uma folha de verdade, com o número e o dia – dia 15, sábado – bordados
a ouro para que pudesse tê-la cravada o mais rápido no maior destaque em casa,
como um troféu ou uma recordação. Uma lástima que não pudesse tê-la gravadas em
letras de brasa sobre o corpo e sobre a alma para que lhe recordasse a ela, na
glória do futuro, os martírios do passado.
Mas
que idiota! Que louca! Sim, ela até chorava! Sim, até a canção em que devia
estrelar, nascida da mais profunda das entranhas já era um soluço muito
profundo e um afogamento úmido na garganta! Se ergueu e delineou-se em toda a
sua esbeltez na janela repleta de claridade. Hoje, no meio da tarde, havia
chovido, mas a chuva – chuva típica de maio – não havia feito mais do que
varrer o céu de nuvens e liquidar de diamantes as pontas. Depois, cada vez mais
sonora e mais diáfana tornava-se a atmosfera, e aquelas primeiras iam tendendo
pela criação, a se transformarem os aromas em eflúvios invisíveis e até de
muito distantes – talvez do horizonte ondulado, ou talvez das águas do rio –,
vinha um ronronar vago, de vozes e rumores.
Chovia
também em maio, esse tanto que preenchia seus olhos. Mais sonora e mais diáfana,
hoje a sua alma, varrida de penas, recolhia perfumes e cadências e se enchia,
igualmente a esta tarde, de toda a beleza.
Era
porque ele chegava...
II
Cinco
anos! Cinco anos em Manila, não haviam sido tão ruins. Quase se podia dizer que
Alberto não os havia sentido passar. Alguma vez, sobretudo no início, a saudade
de seu lar provinciano lhe preencheu a alma de melancolia. Contudo, tinha a
alma jovem, e sobre ela, tão logo se escorriam as dores.
Estela?
A boa namorada que havia permanecido, esperando-lhe na vila? Sim, era uma
recordação docemente angustiante. Ou melhor, uma série de recordações. Sua
casinha de cerco de cana e seu teto de nipa,
os amanheceres na colina, a quietude murmurante do rio.
Ao
custo de qualquer coisa, até desta túnica preta, azul e vermelha que ele trazia,
como relíquia sagrada, na maleta, se tivesse desejado ter em suspenso a vida em
qualquer um daqueles momentos, e em qualquer uma daquelas paisagens, de tal
modo que, a morte, se alguma vez chegasse, e lhes surpreendesse aos dois assim,
sem envelhecer, colocados fora da medida do tempo. Mas, não pode ser assim, e
ele, empurrado pela vida – a vida, em constante movimento, teve que ir a
caminho da cidade para seus estudos.
Hoje,
ele voltava...
Ainda
estava apaixonado? Ele era leal às memórias da namorada ingênua e boa? Nem ele
mesmo sabia. Nunca se havia atrevido a uma franca confissão consigo mesmo, covarde
diante daquilo que houvesse de ser, alma a dentro, ou uma afirmação ou uma
negação do antigo carinho. Melhor, se havia deixado levar pelo curso dos dias
escrevendo às vezes, mas sem aprofundar, sem analisar.
Por
sua vez, recebia cartas que o faziam feliz, pois lhe traziam o perfume de
tempos e lugares que iam se afastando. E, semanas atrás, quando teve seu
diploma final na mão – já um profissional, mas tão nova era a sensação que teve
que se olhar no espelho para se convencer –, a primeira coisa em que pensou foi
que deveria voltar à vila. Havia sido imensamente feliz naqueles momentos, mas
em sua felicidade não havia a emoção sutil de angústia em relação ao que havia
perdido por muito tempo e que ele volta a encontrar agora.
Alberto
teve de conjecturar muito, e até hoje, em plena viagem de retorno ainda o
argumentava: Era sua lealdade ao carinho, ou lealdade às memórias e nada mais.
Estela,
muito bela, muito boa. Mas, a respeito de sua imagem a casinha do cerco de cana,
a colina verdejante, a profunda sonoridade do rio. Essas recordações e essas
paisagens, haviam se estabelecido em sua alma – imóvel, todo esse tempo, como
se o tempo tivesse sido relógio sem corda
Diria
qualquer coisa, porque também se houvesse se estabelecido, na mesma imobilidade
– a lealdade não é nada mais que a ausência de movimento – a esse antigo
carinho que já temia.
III
Ficaram
mudos, calados. Na tensa emoção do instante os lábios não conseguiram dizer o
que expressavam os olhos. A mulher, Estela, apenas recordou-se de chorar e
Alberto, já acostumado com as coisas da cidade, mas, temeroso com os hábitos da
vila, não sabia se ia enxugar as lágrimas com um beijo, ou encostar-se em uma
cadeira qualquer, até que a tempestade passasse.
E
o homem, naquele momento de hesitação, viu escrita a revelação, como se Deus,
em um gesto de piedade para ambos, lhe houvesse aberto imediatamente a alma à
plena claridade de seus sentimentos.
Ele
já não a amava! Não a amava como há cinco anos atrás... Porque a verdade – empalideceu
Alberto diante da brutalidade dos fatos – de amá-la existiria se a tivesse
tomado nos braços, triunfante sobre todo o hábito da cidade ou da vila e se lhe
tivesse secado seus olhos enchendo-a de beijos e se tivesse estampada em sua
boca a afirmação categórica de seu carinho renovado.
Se
sentou, enquanto Estela, para ocultar a sua fragilidade, se trancou no quarto. Atrás
de sua figura, um pouco abatida agora, com a cabeça baixa, em gesto de enxugar
os prantos, foram os olhos de homem que se enchiam de melancolia.
Por
que não? Ele o sentia.
Apesar
de que tivesse preferido a lealdade ao carinho do que essa lealdade que era
apenas lealdade as recordações. Tinha que ser cruel. Em sua nobre preocupação,
não tinha alma para mentir-lhe amorosamente a esta mocinha.
Tentaria
se explicar, fazê-la compreender. Porém...
Levantou-se
e espreitou pela janela. Por que a vida ia ser assim, tão má? O que ele tirava
daquela colina que se erguia, nem desse cerco liquidado de correntes de amor, nem
do rio que cantava, não sabia ele que canções havia lá longe, mas sim que, ao
fim e dali para frente, já não podia enxergá-los tal como os embelezava o
antigo Amor, que acabava de revelar-se tragicamente, definitivamente morto!
Nota:
[1]
Grades ou treliças que se colocam nos jardins para ajudar as plantas a subirem ou
se enroscarem.
Créditos Finais
Coleção
“Clássicos Hispano Filipinos”
Créditos
à Biblioteca Virtual Cervantes
Traduzido
do espanhol ao português por: Rebeca Arimi Suzuki
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