Meu maior heroísmo
(O
conto de um herói dos tempos de paz)
Enrique
K. Laygo
Fui
uma vez um herói, aos 18 anos. Herói sem glória, como esses que vão à guerra
perdidos no anonimato geral e morrem como leões defendendo a sua bandeira, mas
o meu heroísmo foi maior. Na guerra, quando se sente a embriaguez da luta ou do
ódio, quando o cheiro da pólvora e o estouro dos canhões matam o instinto de
conservação, é fácil ser herói. Uma bala perdida, um pedaço de estilhaço, pode
fazer de qualquer um, um herói... O meu foi um heroísmo de vontade contra mim
mesmo em uma batalha em que não tive mais testemunhas senão Deus. Ouça:
I
Era
minha primeira namorada e eu a amava por ela mesma, não por amor ao amor que é
a razão dos primeiros carinhos. Talvez ela me amasse da mesma forma. Juraria
agora mesmo, com os dois distanciados pela força de circunstâncias hostis, que
é mais poderosa que a força do amor, seguimos nos guardando alma adentro, esse
culto que se guarda às amáveis recordações. Há amores que são lembrados durante
toda a vida
Como
éramos jovens – no primeiro florescer da juventude, nosso amor era delíquios
espirituais; um amor de brisas, de alternações e de nuvens, um amor que vivia
de metáforas e analogias...
—
Te amo como uma borboleta ama a flor — Costumava escrever-lhe. — Te procuro
como a areia procura a carícia da água, como a Lua procura o espelho do lago.
—
Te vejo nas estrelas, nos pássaros, em tudo — Me respondi — Até quando rezo,
parece que o santo a quem rezo é você.
Era
um carinho em plena inocência. Nossas almas se comunicavam com uma linguagem de
anjos. Os galanteios que floresciam em meus lábios eram flores brancas como o
lírio, a açucena, a sampaguita, que acabariam depois de tantos pensamentos
ruins, só reinava, em plena soberania, a Ilusão...
Mas,
um dia – era maio, e as flores beijavam as abelhas – meus lábios buscaram o mel
de um beijo
—
Você me o concede? — A perguntei, tremendo de desejo.
—
Não, jamais.
Se
colocou lindíssima, com o protesto em um vermelho intenso do pudor que flamejou
de suas maçãs do rosto. Mas, nelas não vi indignação, a não ser o rosa
aveludado da pele branquíssima que se estendia até as artérias azuis. E em mim
germinou um pensamento dominador. Pois o beijo – inocente prenda de amor que
pedia – havia sido negado.
Tacanha,
ela, a mulher a quem adorava, teria de me conceder algo mais que o beijo,
muitíssimo mais que o beijo, ainda que o empenho, eu tivesse que dedicar por
toda a minha vida.
E
for um trabalho de conquista astuta, árdua e lenta. O exemplo da gota brava de
água que chega a minar, a força de ir caindo constantemente, a pedra viva esporeava
meus esforços e, um dia – ainda era maio, e as flores continuavam beijando as
abelhas – ela, derrotada, vencida e apaixonada, me prometeu em um suspiro:
—
Bem, seja o que for que você queira, esta noite em minha janela, verá abanar um
lenço, branco como a minha pureza. Entre em meu jardim e me encontrará a sua
espera.
II
O
primeiro encontro! O primeiro encontro romântico ao amparo da amável noite,
enquanto brilham as estrelas e, de longe, vêm as vozes do silêncio, como em
apagada sinfonia de uma orquestra universal.
O
divino tremor da alma que se sente sintetizada em breves segundos por toda a
eternidade. Os sobressaltos, os medos, as dúvidas, fundidos na intensa emoção
de uns momentos que possuem a duração de séculos.
E
o meu, o meu primeiro encontro se celebrava com a mais prodigiosa luz dos
astros e de estrelas no céu. Deviam estar em festa como eu, como a minha alma.
De todos os rincões do firmamento, me olhavam com uns olhos que pareciam piscar
ou pestanejar, e naqueles olhos eu via uma grande inveja.
E
não somente o céu. A terra também estava em festa. Cheirava a flores de
laranjeira, a rosas, a jasmins. No ambiente havia uma saturação de perfumes.
Era realmente o ambiente, ou era eu que carregava dentro de mim todos os
aromas?
Contudo,
eu cheguei ao local como um ladrão. Me ocultava nas sombras, eu sumia nas
dobradiças das portas. Por meia hora estive em um abrigo desmantelado enquanto
esperava que esbranquiçasse o lenço.
Momentos
de profunda angústia. Meu coração batia em sua prisão como se estivesse
querendo me soltar do peito. Prontamente, na escuridão de uma janela aberta – a
sua – vi uma coisa branca, que ondulava, que palpitava, que parecia viver. Em
três saltos, cruzei a rua e conquistei o solar de sua casa. E me vi no jardim
cheio de sombras, cheio de mistérios! (...)
Eu
a vi se aproximar, como uma branca aparição. Sobre o albo tom do traje – Oh!
Santa pureza branca que vinha a se oferecer! – Somente se tornava negra, mais
negra que as sombras, a cabeleira desmanchada em duas cascatas gêmeas.
Meus
braços abertos a receberam, enquanto em meus lábios palpitava o beijo...
—
Você veio — Só consegui balbuciar.
—
Sim, como pode ver... Eu vim.
Se
encolhia, se rebaixava, se anulava em uma enorme vergonha que a havia dominado
por completo. Nela, se via a vontade com a qual se entregava, mas a alma estava
longe, encadeada pelas cadeias dos escrúpulos e o medo do pecado.
Em
meus braços, eu a sentia tremer, como um pássaro paralisado. E, então, percebi
o quão grande deveria ser o amor que assim saltava, por cimas da consciência
para submeter-se a um enorme sacrifício.
Mas,
em meus lábios, continuava palpitando o beijo, como uma brasa acesa.
Me
inclinei...
E,
no claro da Lua, vi como caíam as pálpebras tal como asas feridas sobre os
olhos. E antes de se fecharem, eu vi como tremeram duas gostas de lágrimas.
E
fui um herói. Em meus lábios, ao invés do beijo, floresceram as flores brancas
dos antigos galanteios:
—
Eu te amo como uma borboleta ama a flor. Te procuro como a areia procura a
carícia da água, como a Lua procura o espelho do lago...
E
ela, compreendendo a minha renúncia, respondeu agradecida:
—
Amanhã, quanto for rezar, acreditarei que o santo a quem rezo é você.
Continuavam
as luzes estelares. Continuavam os perfumes saturando o ambiente. E eu não sei
por que me pareceu que a claridade das estrelas era mais intensa e que os
aromas eram mais deliciosos...
Créditos Finais
Coleção
“Clássicos Hispano Filipinos”
Créditos
à Biblioteca Virtual Cervantes
Traduzido
do espanhol ao português por: Rebeca Arimi Suzuki
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